terça-feira, 15 de maio de 2012

A tal Lei "Maria da Penha" e a polêmica ADI 4424.


Objeto de muitas críticas, tema de muitas monografias e alvo de inúmeros artigos jurídicos a Lei nº 11.340 de 7 de Agosto de 2006, mais conhecida como "Lei Maria da Penha", considerada um avanço legislativo no combate as Violências Domésticas é ainda um assunto muito "na moda" em nossos Tribunais.

Constantemente questionada, o Diploma Legislativo em questão ganhou novamente as manchetes de nossos jornais com o recente julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), prolatado nos autos da ADIN 4424 proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR), onde, por maioria dos votos, o pleno decidiu em acatar a possibilidade de o Ministério Público dar início a Ação Penal, sem necessidade de Representação da Ofendida, nos casos previstos no âmbito desta Lei.

O pedido da PGR, acolhido pelo Supremo, atacava a Constitucionalidade dos artigos 12, inciso I, 16 e 41 da Lei sob a alegação de mitigarem a proteção Constitucional a que gozaria a Mulher, bem como em razão a incompetência dos Juizados Especiais para o conhecimento de causas sobre violência doméstica.

A referida decisum de nossa Augusta Corte, como já era de ser esperado, gerou polêmica gigantesca, dividindo a opinião de juristas sobre um possível avanço ou retrocesso de tal medida perante o cenário da Violência Doméstica em nosso Pais, vez que, segundo alguns, inibiria as mulheres sob violência em denunciarem seus algozes.

Em frente a esta celeuma, passamos a discorrer algumas linhas sobre o assunto, esclarecendo alguns pontos e analisando de forma técnica, sob o viés do social, todos os aspectos desta questão.



Uma Lei concebida em sangue - Um atraso quase fatal!



Muito embora seja destacada por muitos como um avanço legislativo ao estabelecer mecanismos para coibir a violência doméstica, a Lei nº 11.340/2006 é, na verdade fruto do atraso e da ineficiência de nosso processo Legistivo, explico:

Desde de 1979, o Brasil vem participando de diversas Convenções no âmbito internacional, visando o combate a discriminação da mulher e, consequentemente, a prevenção e o combate da violência contra mulher englobando a violência física, moral, psicológica e financeira, Reuniões estas que resultaram na assinatura de inúmeros Tratados  no qual comprometia o pais na adoção de políticas internas de combate a este tipo de violência.

Em razão de tais instrumentos, nosso Poder Legislativo lançou mão, com um considerável atraso, de diversos instrumentos legislativos para dar fiel cumprimento aquilo que o pais se comprometeu perante o cenário internacional.

Muito embora o estabelecimento de tais comando legislativos, a ineficácia da aplicação de tais políticas, resultaram em inominadas atrocidades engendradas contra mulheres, muitas delas que nunca constaram em nenhuma estatística, no entanto, uma delas se sobressaltou e ganhou o mundo.



A Guerreira: Maria da Penha Fernandes


O cenário da violência doméstica no Brasil mudou após o Brasil ter sido condenado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por negligencia e omissão em relação a violência doméstica sendo recomendado a tomada de providencias a este respeito graças a denuncia ofertada pela biofarmaceutica Maria da Penha Fernandes em conjunto com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional e Comitê Latino-Americando de Defesa dos Direitos da Mulher (CADEM) em 2001.

Maria da Penha Fernandes foi mais uma vítima da violência doméstica. No ano de 1983 foi vítima do ciumes doentio do seu então esposo, o professor universitário , Marco Antonio H.  Ponto  Viveiros, que a impetrou contra a sua vida alvejando-a com um tiro nas costas deixando-a paraplégica, em outra oportunidade, atentou novamente contra a sua vida tentando eletreucutá-la, sendo condenado em duas ocasiões no entanto, não chegando a ser preso, o que gerou indignação à vitima.

Por consequência disso e, em razão do Brasil ter se tornado signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres tendo sido promulgado pelo Decreto nº 4.377/2002 e da Convenção Interamericana para Prevenir , Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher  (Convenção de Belém do Pará - 1994), promulgada no Decreto nº 1.973/96 em  7 de agosto de 2006, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei  nº 11.340 batizada popularmente como "Lei Maria da Penha " em homenagem aquela vítima emblemática.

Em termos legislativos, a referida Lei, preceituando que a violência e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, determina que, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação omissão baseada no gênero que lhe cause morte lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimônial, além de estabelecer políticas publicas de incentivo de conscientização dos Direitos da Mulher  bem como de repressão a todo o tipo de violência doméstica.
Outras importantes mudanças estabelecidas pela referida Lei se da pela alteração no Código Penal, especialmente pelo inserção do parágrafo 11º e a alteração da pena do parágrafo 9º do art. 129.

A Lei Maria da Penha trouxe outras grandes novidades, muitas delas, aliás, objeto de inúmeras críticas, dentre elas aquelas inseridas nos artigos 12, inciso I, 16 e 41, objetos únicos da ADIN 4424 engendrada pela Procuradoria Geral da República.


Da ADIN 4424 e a Discussão sobre a Constitucionalidade:


Sob a Relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Pleno de nossa Augusta Corte acolheu, em 9 de fevereiro deste ano, a pretensão da Doutra Procuradoria Geral da República, declarando inconstitucionais os referidos artigos da lei que estabelecem a necessidade de representação da vítima para o oferecimento de Ação Penal, pelo Ministério Público, por maioria, tendo vencido o voto do então presidente, Ministro Cezar Peluso.

Muito embora não tenha sido, até o presente momento, publicado o teor do acórdão, o julgado gerou polêmica sobre ser acertada ou não a decisão de nosso Tribunal Maior. 

A decisão dos Ministros favoráveis a declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos baseiam-se no fato que a presente ofende, materialmente a Constituição por completa desconformidade para com o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, norteador do Estado Democrático de Direito, bem como em razão da ofensa ao disposto no artigo 226, § 8º de nossa Constituinte.

Por outro lado, o voto vencido do Ministro Cezar Peluso, destacou a importância e eficácia da apuração de tais crimes no célere Procedimento dos Juízados Especiais Criminais (rechaçado pelos demais ministros), bem como destacou a constitucionalidade da exigência da Representação da Ofendida para o oferecimento da Ação Penal, por questões de caráter sociológico.



Muito embora a propriedade e o salutar saber jurídico do então Presidente Cezar Peluso, nossa posição é completamente contrária, filiamo-nos a corrente vencedora.

Como podemos verificar em nossos manuais, bem como no estudo de muitos juristas, a questão da necessidade de representação esculpida no teor da Lei Maria da Penha se deu como meio de se evitar que a mulher vítima se submeta ao chamado "strepitus judici", ou seja, ao escândalo do processo, ou mesmo, para evitar que haja maiores dissabores no bom convívio do lar conjugal. Balela pura a nosso ver!

Ora, um Estado que se compromete em dar fiel proteção a TODOS os membros de uma família, coibindo todo e qualquer tipo de violência contra estes (art. 226, § 6º CF), não pode simplesmente, por meio de uma norma infraconstitucional, institucionalizar o acobertamento da Violência doméstica.

O Julgado do STF atingiu um ponto que nosso legislador deixou descoberto, pois, não pensou o Legislador nas mulheres que vivem em estado permanente de violência e submissão a seus maridos, que vivem no eterno medo de desagradá-los, de constrangê-los, pois, a nosso ver, a possibilidade de conceder a vítima o poder de decidir se representa ou não o seu algoz, ou mesmo que se retrate, seja em frente de um juiz como bem estabelece esta lei, é completamente descabida e ofende profundamente os pilares de proteção conquistado pelas mulheres ao decorrer da história.

Quando das minhas primeiras lições sobre Direito Penal na faculdade, me recordo de ouvir de minha adorável Professora (que por sinal, também se chamava Maria da Penha), que o strepitus judici tem por finalidade proteger a mulher do processo de vitimização produzido pela publicidade e desdobramento do processo, hoje, no entanto, percebo que, ao menos nestes casos, ela na verdade gera impunidade aos agressores, pois, dificilmente uma mulher irá ter coragem suficiente para representar seu agressor a ponto de vê-lo processado e julgado por seus crimes. Não podemos apelar para as estatísticas, pois, como já salienta, estas, não apresentam resultados confiáveis.

Uma Triste realidade

Muitas mulheres em nosso pais vivem de forma submissa a seus companheiros, pais e conviventes, de tal ponto a se sujeitarem as mais barbaras condições de violência física, psiquica e moral, sendo que, em sua maioria esmagadora, não chegam a conhecimento da autoridade policial.

O fato de ser permitida a retratação, mesmo que apenas em juízo como bem estabelece o art. 16 da mesma lei, torna inócua a proteção integral da mulher como prega os fundamentos da Lei, pois impede a atuação do Ministério Público de iniciar a persecutio criminis in judicio contra o agressor, trata-se de verdadeiro Perdão concedido pela vítima.

A nosso ver, a possibilidade de Retratação da Representação, bem como o seu não oferecimento, corresponderia a um verdadeiro consentimento em relação as violências engendradas contra ela, o que garante a licitude por meio supra legal, da conduta do autor, o que não pode ser admitido, vez que trata-se, a integridade física, de bem indisponível, sendo protegido de forma expressa em nossa Carta Maior.

Aceitar a condição legislativa de necessidade de representação para os crimes estabelecidos por esta lei é dar menor importância a condição de vunerabilidade da mulher o que seria o mesmo que negar a existência da própria Lei, pois, esta foi concebida para estabelecer condições de combate a este tipo de violência.

O Estado, como detentor das liberdades e do poder dever de garantir o bem comum deve, em alguns casos específicos, agir de forma paternalista para proteger e garantir a segurança e a saúde de certos indivíduos em situação de risco, agindo até mesmo contra sua própria vontade.

Nos parece ser acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal, pois, para se erradicar por completo este tipo de violência que afeta milhares de mulheres todos os dias o Estado deve fazer prevalecer sua vontade a detrimento dos medos e razões particulares de cada um. Não nos parece crível, como asseverado pelos nossos Ministros, impor a vítima este dever como se lhe fosse um favor concebido. 

Trata-se de ofensa a Dignidade da Mulher impor-lhe a escolha de ver processado seu conjuge ou companheiro por mais violento que este se comporte. É estabelecer a mulher a uma segunda violência, muito maior, as vezes, do que aquela que lhe foi imposta por seu algoz.

O leviano argumento de que a necessidade de Representação nesses crimes evitaria a vitimização em razão do escândalo do processo não convence mais, pois trata-se, na realidade, de uma forma de calar a dor e as lagrimas de quem, muitas vezes, é incapaz de pedir ajuda.



Lembre-se: toda e qualquer violência contra a mulher é crime e deve ser denunciado.


Bibliografia:

Legislação Penal Especial, ANDREUCCI, Ricardo Antonio, 7ª ed., amp., atual., São Paulo: Saraiva, 2010.

Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, NUCCI, Guilherme de Souza, 5ª ed., rev., atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

Referências: 

STF: www;stf.jus.br 


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