Sempre adorei estudar Princípios, é sério, sempre gostei de enveredar meus estudos nesta parcela particularmente importante das nossas Ciências Jurídicas, são eles as bases sólidas em que se alicerçam nosso saber jurídico e nosso tão proclamado [e festejado] Estado Democrático de Direito, conquistado graças a muita luta e às custas de sangue de muita gente.
Desde 5 de outubro de 1988, quando da nossa "Constituição Cidadã" foi promulgada, os Princípios Constitucionais assumiram lugar de honra, em sua maioria, expressamente declarados no bojo de seu art. 5º, no rol dos Direitos e Garantias individuais.
Pois bem, como nos é ensinado desde os primeiros semestre de nossa jornada acadêmica, os Princípios Constitucionais se norteiam todos os ramos do Direito, é através deles que todas os ramos se organizam e se estabelecem, devendo ser ceifados, por completo, tudo que dispuser de forma contrária, via de regra.
Dentre toda a gama de princípios dispostos em nossa Magna Carta Constituinte, encontramos o chamado Princípio da Proporcionalidade, que, muito embora não possua expressa previsão constitucional, encontra-se inserido nos dogmas da Dignidade da Pessoa Humana, aplicável em diversos ramos do Direito, dentre os quais, encontra-se [é claro], o Direito Penal.
Monopólio contendo Código de Hamurabi, exposto no Museu do Louvre
Não é de hoje que o mundo conhece este Principio, a primeira ocorrência registrada em nossa história no ano de 1.700 a.C. (aproximadamente), no sempre lembrado Código de Hamurabi, mais precisamente na chamada Lei de Talião, a que pregava a máxima conhecida "Olho por olho, dente por dente". Trata-se, como bem se pode observar, da primeira introdução no mundo jurídico do instituto da Proporcionalidade, pois, fixou um limite para as penas que, firmadas na vingança privada, ocasionavam verdadeiras guerras entre clãs, o que quase dizimaram cidades inteiras.
Ou seja, o Principio da Proporcionalidade se demonstra como um limite da pena, claro que com o passar dos anos e com o amadurecimento do pensamento jurídico os estudiosos criaram o principio gemelar da Razoabilidade como limite daquele, impedindo o cometimento de atrocidades em nome de uma proporção Matemática.
Pois bem, o Princípio da Proporcionalidade e o da Razoabilidade, dentro das Ciências Criminais, correspondem a limites impostos pela nossa Constituinte, para a aplicação das reprimendas de ordem Penal, de modo que elas sejam elaboradas, e aplicadas, sempre demonstrando a necessidade de aplicação e a possibilidade de ressocialização, garantindo a aplicação proporcional à culpa sempre de forma racional, respeitados a Dignidade da Pessoa Humana.
Na teoria, corresponde a oitava maravilha do mundo, não é? No entanto, a realidade, a prática é outra, nefasta e até mesmo medíocre e o que aprendemos nas salas de aulas e nos manuais, nem sempre (quase sempre), não são aplicadas.
Pois bem, vejamos.
Como bem disse, e com a autoridade que me permitem os maiores penalistas deste pais, o principio em comento deve prevalecer, não tão somente na hora da aplicação da reprimenda pelo Juiz de Direito, mas também (e principalmente, diga-se de passagem), quando da elaboração legislativa.
No entanto, como já salientado, "não é assim que a banda toca".
Vivemos tempos caóticos, onde o populismo gerado por uma mídia varejista explora a insatisfação do povo em relação a insegurança provocam a reação de políticos acuados que, utilizando de grande imaginação, se permitem "saciar" o brado social diante de aberrantes situações fáticas, criando novos tipos penais, elevando as penas em quantidades exorbitantes e etc.
Explico.
O povo, cansado de tanto descaso e, impressionado com certas exposições midiáticas provocadas pela super exposição de determinados acontecimentos demonstram sua insatisfação por meios diversos, que, por sua vez, faz nascer em nosso parlamento, um bom espirito samaritano que muitas vezes se corporificam em leis penais mais severas, trata-se da chamada "Inflação Legislativa".
A Inflação Legislativa corresponde exatamente ao excesso de leis criadas pelo Poder Legislativo, afim de se "normatizar" todo e qualquer tipo de situações [algumas até mesmo aberrantes como é o caso da Lei nº 7.643/1987 que prescrevia a pena de 2 a 5 anos em seu art. 1º àquele que "molestar intencionalmente cetáceo" em razão de um fato isolado ocorrido no litoral Fluminense , apud SCHECAIRA, Sérgio Salomão, Criminologia, 2ª ed., rev. atual. e amp.: Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, pág. 49/50], tende a gerar diversos conflitos e instabilidade jurídica.
Neste sentido vem minha observação: Nosso parlamento adquiriu o péssimo hábito de transformar em lei, tudo quanto é situação, gerando inúmeras discussões. Quando se trata de matéria criminal então? A situação é catastrófica.
A fim de dar uma resposta rápida à população insatisfeita em relação ao tratamento criminal em determinadas situações, nosso pontual Congresso Nacional sempre aparece com uma solução legislativa, muitas vezes inoportuna e inadequada, seja majorando exorbitantemente as penas, seja criando novas espécies legislativas como no caso da criação da figura tipica do "Sequestro Relâmpago" (art. 158, § 3º do Código Penal, acrescido pela Lei nº 11.923/2009), que antes era perfeitamente disciplinados pelo Crime de Extorsão (art. 158) e Roubo (157).
Chegamos ao ponto onde gostaria de chegar!
No impeto de criar novas figuras típicas para "conter a crescente cifra criminosa", nosso legislador simplesmente atropela inúmeros preceitos constitucionais, dentre os quais, o já aventado Principio da Proporcionalidade, se não, vejamos:
Esta semana tive a oportunidade de conhecer a triste história de uma moça de 37 anos que possui um pequeno stand de venda de cosméticos na região Central de São Paulo no qual retirava dali seu sustento com a venda de esmaltes, shampoo, maquiagem em geral e perfumes e etc.
Dentre os diversos produtos expostos à venda, haviam 3 perfumes importados, de propriedade de uma amiga que os havia adquirido em recente viagem para os Estados Unidos e que lhe pediu para que vendesse.
Pois, bem, um belo dia esta jovem foi surpreendida por policiais civis que apreenderam diversas mercadorias e a encaminharam para a Delegacia para esclarecimentos sob a suspeita de exposição de produtos adulterados (art. 273 do CP).
Com a conclusão do laudo do IC (Instituto de Criminalística) demonstrou comprovado que os produtos analisados não foram adulterados.É neste momento que os doutores se sentem aliviados e pensam que nada passou de um terrível infortúnio, não é mesmo? Pois se enganaram.
Pois bem. Muito embora tenha se esclarecido que não existiu qualquer adulteração, o ilustre Delegado de Policia notou que, naqueles três perfumes importados, dos quais também foram apresentados a documentação fiscal pertinente, não existia nenhum selo de inspeção da ANVISA, razão pela qual, logrou por indiciá-la nos termos do art. 273, § 1º-B, inciso I do Código Penal do qual prevê a pena de RECLUSÃO DE 10 A 15 ANOS E MULTA para esta situação (exposição à venda de cosmético sem registro do órgão sanitário competente), pasmem!
O processo atualmente encontra-se junto ao Ministério Público para auferir se há necessidade de oferecimento de Denúncia.
O presente tipo penal é criação da Lei nº 9.677/1998 que foi, por sua vez, foi fruto de um processo legislativo que visava o fim da adulteração de medicamentos do qual o pais havia sofrendo no decorrer daquela década.
Este tipo penal é, até hoje, muito discutido pela Doutrina por inúmeras razões, dentre as quais, a completa e absurda desproporcionalidade em relação as penas impostas, principalmente quando se refere ao cosméticos.
Não acreditam? Vejam só.
Não obstante as discussões de mérito a cerca da possível atipicidade da conduta da pobre moça, ou mesmo da exclusão de sua culpabilidade por "n" motivos, se considerássemos a hipótese absurda de uma condenação, seria ela condenada, seguindo os critérios de dosometria da pena (arts. 59 e segs. do CP), à pena de 10 anos de Reclusão em regime inicial fechado sem falar que, por ser considerado crime hediondo (Lei nº 8.072/90, art. 1º, inciso VII-B), terá sua progressão após cumprimento de 2/5 de sua pena (art. 2º, §2º da Lei nº 8.072/90).
Por outro lado, se esta mesma moça resolvesse matar alguém, seria condenada às penas do art. 121, "caput" do Estatuto Repressivo seguindo os mesmos critérios, ou seja, reclusão de 6 anos em Regime inicial SEMI ABERTO, sem dizer que ainda progrediria de regime após cumprir 1/6 da pena.
Comparação bastante pertinente não é mesmo? Resta dúvidas de que houve descumprimento do Princípio da Proporcionalidade? Creio que me fiz entender.
O mais lamentável de tudo isso é o fato de que a situação aberrante não se trata de situação hipotética, muito pelo contrário, é uma realidade perigosa a que nos deparamos dia a dia.
O perigoso fenômeno da Inflação Legislativa, em seu afã de dar respostas rápidas aos dilemas de uma sociedade saturada com a crescente onda de criminalidade tende a satisfazer, momentaneamente, aquele cidadão "de bem", o verdadeiro "homem médio", o "bona pater familias" que, almeja reprimendas mais severas por considerar que elas somente atingirá os inimigos da sociedade, o assaltante, o homicida, o bandido, nunca esperando que esta o atinja. Foi o caso de nossa "heroína", ou vocês acham que ela imaginava que seria surpreendida com uma acusação dessas.
O mais interessante, no entanto, se apresenta quando nos, advogado, contratos para atuar em casos como estes, não medimos esforços para comprovar a impropriedade ou até mesmo, a inconstitucionalidade da aplicação de um ou de outro instituto até as instancias superiores (porque nas instâncias ordinárias, data vênia, é praticamente impossível solucionar questões desta magnitude), somos taxados como uma "corja reprovável" e o Poder Judiciário (e consequentemente o Poder Legislativo), caem em descrédito por que não fazem cumprir a lei.
Pois é senhores, está na hora de refletirmos.
PS: Em oportunidade próxima, discuto com vocês a relação Fiscalização x Lei - A razão do Crescimento da Criminalidade.


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