"Ao combater monstros, cuidado para não se tornar um deles, pois, quando se olha para o fundo do abismo, o abismo olha de volta para você".
- Friedrich Nietzche
Não é segredo para ninguém que quando um advogado se dedica em atuar na área criminal ele mantém um contato muito próximo com a pessoa a quem recai todo o peso Estatal da Ação Penal; o autor do fato, o Réu, noutras palavras, o criminoso.
Execrado pela sociedade (expecialmente por conta de programas televisisos de gosto duvidoso), a figura do Réu é sempre não grata, um lixo humano transgressor não merecedor de compaixão, embatia, dignidade ou perdão, sentimentos estes que é claro, ele não teria nutrido por sua(s) vítima(s).
Grande parte de nossa sociedade brada pelas reprimendas mais sanguinolentas e desumanas possiveis para essa parcela indesejada da sociedade que "come a nossas custas", cidadãos de bem, pais de família pagadores de impostos. Vagabundos como são, preguiçosos e sem um moral e educação merecem a morte, multilação, cusparada na face ou uma vida longa e indigna definhando em uma cela úmida, quente e infestada de toda a sorte de pragas.
Rebelde como sou, ei de discordar, prezada sociedade.
Como advogado criminalista como sou, vivo como um mensageiro da mitologia, vagando entre o mundo real da sociedade e do escuro e nefasto vale das sombras do crime. Entre Delegacias, Fórum e Penitenciárias, momentos intrigantes face a face com o verdadeiro inimigo da Sociedade.
Desde que o mundo tornou-se o amado caos da sociedade organizada, na forma como conhecemos, a questão de crime e castigo sempre se preocupou o que fazer com aqueles "indesejaveis" que se mostravam contra o programa da maioria. Sim, nao sejamos hipocritas, o crime é algo previsto dentro de uma sociedade, natural a ela assim como uma bacteria em um sistema orgânico complexo: Previsivel e até necessário (mas essa polêmica deixamos para outra hora), a questão é, o crime é algo dentro do programa social que, no entanto, deve ser contido ou liquidado.
A solução para conter os indejaveis criminosos (àqueles que, por razões diversas, se enquadraram naquela parcela de condutas indesejaveis da sociedade), foram diversas dependendo da cultura e do povo em seu espaço e tempo: Morte, mutilações, exílio, o que a imaginaçmão humana assim prescrever, mas, nenhuma delas mostrou-se eficaz para exterminar de forma definitiva com o crime e o criminoso por assim dizer.
Mais do que o Crime (conduta positivada como lesiva a sociedade por atacar bens juridicos eleitos como importantes), a figura do Agente que o comete é fulcral para o trabalho do criminalista e o desenvolvimento da sociedade como um todo.
Mas afinal, quem são os criminosos?
O Monstro a ser Combatido
Ao nos debruçarmos no estudo da Criminologia, costumamos passar por todas as escola clássicas que tentam explicar a gênese do Criminoso, utilizando os mais variados argumentos. É claro que este artigo despretencioso, fruto dos devaneios de um Idealista inconformado com o mundo que o cerca, não tem condições de listar todos de forma adequada, afinal, se assim o fosse, necessário seria um Manual Doutrinário, o que não é uma má ideia.
Cesare Lombroso (1835 - 1909), destaca-se como um dos mais proeminentes nomes da chama Escola Clássica da Criminologia ao desenvolver sua Teoria do Criminoso Nato, no qual defende que o Criminoso nasce com uma disposição genetica para a pratica de infrações, sendo constatada pela análise de divesas caracteristicas tais como disposição dos olhos, tamanho e formato das orelhas e do crânio entre outros fatores. A Teoria de Lombroso influenciou gerações e foi determinante à época, por muito tempo seus ensinamentos foram considerado verdades absolutas, gerando diversas condenações.
Com o passar do tempo, outros estudioso demonstrando igual entusiasmo e brilhantismo, renovaram o entendimento sobre o criminoso, tais como Garofálo (1851 -1934), Enrico Ferri entre outros, que complementaram a obra de Lombroso até culminar na Moderna concepção de Criminoso que se extende a não apenas em fatores geneticos, mas sociológicos, psicológicos e até mesmo político.
Quando somos chamados a atender um cliente, descemos ao cárcere e lá nos deparamos com um indiviuo variado: Branco, negro, pardo, asiático, homem, mulher, adolescente, baixo, alto, magro, gordo, educado ou analfabeto..., enfim, um indivíduo, um membro da sociedade, que, por razões complexas e variadas, foi parar no cárcere.
O misticismo envolta da pessoa do "Criminoso" (no sentido de que cometeu um crime), advém da superficial teoria Lombrosiana do Criminoso Nato, que, embora aplicada e com sua valia, não se opera de forma absoluta. Dentro da mente do ser humano, associa-se o Criminoso como uma pessoa horrenda, de faces grotestas e membros exagerados em forma de guerra, uma quimera, um ser anatural capaz de atos atrozes, animalescos.
Imaginar o Criminoso como um ser diferente de nós é natural, ora, como podemos imaginar que uma pessoa, a nossa imagem e semelhança, seja capaz de tirar a vida de outro ser humano ? Seria inadimissive, intolerável! Tal fato, inclusive, pode ser comprovado na ciência papiloscópia, em especial no que se refere a criação de "retrato falado"; vítimas de crimes, em especial os crimes sexuais, sempre tende a imaginar seus algozes com faces exageradas, quase inumanas. O monstro é o outro, o monstro é quem nos ataca.
Ledo engano.
O que separa a vítima do criminoso, o bom pai de família pagador de imposto da escorria vagabunda do crime (como assim brandam muitos), nada tem haver com especie, e sim, de fatores muito mais humanos do que se pensa.
Por esses mais de 4 anos dedicados a arte de Advogar, estive frente a frente com inumeros Acusados (por vezes, condenados), dos mais variados crimes, dos de sangue aos patrimoniais, passando pelos crimes sexuais e até contra idosos, muitos deles, até, impensaveis, mas estive, e muitas vezes me surpreendo quando percebo que, antes de estar, assim, a poucos passos daquele "monstro caricaturado", que ali esta um ser humano comum, que por seus motivos e escolhas (outras vezes pela falta deles), pararam ali.
Cada crime possui sua história própria, única, e por trás da mascara de cada criminoso existe um homem ou mulher que tem sua própria identidade e história, que carrega suas chagas, suas marcas, sua própria história.
Não serei leviano ou mesmo ingenuo para dizer que todos que encontrei não fizesse o mal apenas por gostar sem um motivo antecessor, claro que não, como disse, há inumeros fatores, intrinsecos e estrinsecos, muitos deles, dificeis de acessar, mas sempre existem.
Você, caro leitor, seja estudante, advogado, juiz (quem sabe), ou mesmo um cidadão comum, não se assombre em se deparar com um quase reflexo seu quando de frente a um "inimigo da sociedade", pois, antes de qualquer coisa, é um ser humano como você.
O Fundo do Abismo
Não lhes direi, caro leitor, que assim como os críticos de "meia pataca" declamam ao falar de pessoas que defendem os direitos daqueles que se encontram em conflito com a lei que você deve largar seu lar e adotar um Criminoso ou mesmo um morador de rua ou qualuer pessoa em situação abissal, não, esta não é a solução do problema.
Somos uma espécie arrogante e ainda em aprendizado que, embora venha a acreditar que se encontra no centro de todas as convergências terrenas (e porque não dizer etéras), que se julga em seu ápice, ainda estamos engatinhamos a passos vagarosos quanto o que se diz respeito a termos de aprendizados. Nos matamos, ofendemos, excluimos e ignoramos membros de nossa própria carne por simplesmente não estamos completamente concordes.
Criamos verdadeiros abismos onde lançamos os "desajustados", os criminosos e os marginais, abismos dos quais a prisão trata-se apenas um deles, apenas mais um dentre os piores, dos quais, como sociedade, exilamos nossos monstros, nossos incompreendidos, nossos pares com "defeito".
Muito se fala que a prisão é uma escola senão uma faculdade para o crime, e como não ser? Em meio de condições desumanas sem o mínimo de salubridade para uma vida humana, o cárcere alimenta a dor e o ódio, aliadas ao abandono de familiares e por parte de um Estado que além de promover a Vingança de seu povo em retribuir o crime cometido, deveria promover meios de resgate para o seio o social, é omisso quanto esta obrigação, apenas se limitando a manter trancado o infrator pelo tempo e modo que foi fixado em sentença, bastando uma refeição a cada terço do dia, água que basta estar em condição de ser potável e um abrigo, mais para garantir a impossibilidade de fulga do que para abrigar quem lá esta. Como não pensar que o que é ruim não pode se assentuar como pior?
E se a prisão é escola, a educação é de berço e o berço se dá no seio social.
Políticas de segregação, preconceito com a periferia e seus moradores, desigualdade social, má distribuição de renda, desemprego, desserviço de educação entre outras mazelas conduzem uma mente já predisposta (psicologica ou genetica) ao crime. Antes de ser autor, o criminoso também é vítima.
Ah! E o que se falar dos criminosos de colarinho branco ou mesmo os playboyzinhos que mesmo não sofrendo com os efeitos negativos da desigualdade social, também comentem crimes? Ora, respondo com tranquilidade, não há beneficiados de verdade em uma balança em desigualdade, provilégios não isentam de outros fatores criminogenos, afinal, a ideia de superior e inferior dá gênese a uma disputa de pseudo poder sobre a vida do outro o que também "cria" criminosos.
Nossa falta de empatia, nos vitimiza e nos torna cumplices.
"...o abismo olha de volta para você..."
Alexandre Lacassagne, outro estudioso da criminologia moderna já dizia que "cada sociedade tem o criminoso que merece", pois, segundo ele, o crime só existe no meio social e é nele que se desenvolve, se nutre e estabelece de modo que o próprio Criminoso é apenas um fruto do meio em que se desenvolve.
Independentemente da raça, gênero, condição social ou economica, o meio é capaz de influenciar o indivíduo, sendo determinante pelo resultado criminologico.
Seguindo os ensinamentos de todos as escolas criminológicas que se desenvolveram ao longo do tempo, podemos extrair que, todas elas, conjulgadas em harmonia, nos fornece meios de entender o porque dos individuos trilharem a estrada do crime, são inumeros os fatores e não existe uma formula precisa capaz de indicar quem ou porque alguém se torna criminoso.
O que se pode extrair que a própria sociedade cria sua própria nemesis, seu próprio criminoso que assim como (os biólogos vão adorar), como uma bacteria, se desenvolve de acordo com os elementos do ambiente em que se encontra.
A questão é que, não existe uma "cura" definitiva e a história (antiga e contemporânea), mostra que medidas extremas de segregação e isolamento ou mesmo eliminação (pena de morte), são ineficazes.
Seguindo o exemplo das ciencias biológicas; o melhor é previnir e não remediar.
Beccaria (1738 - 1794), ao escrever sua festejada obra Dos Delitos e das Penas, já indicara que o melhor que a sociedade pode fazer é educar, fornecer de forma igualitaria, sem privilégios e de forma consciente oportunidades de educação e emprego, de modo que o individuo possa sentir parte do meio social, nem marginalizado nem privilegiado.
Ademais, ainda segundo Beccaria, quando ainda assim surgirem os criminosos (pois como já dito, o crime esta para sociedade assim como a sociedade para o crime, sendo impossivel imaginar um sem o outro), a punição deve ser certa, rápida (quanto a sua aplicação) e eficaz no que se propõe: Punir e ressocializar, pois, como membro da sociedade que é, aquele que assim é chamado de criminoso, faz parte dela e dela um dia retornará.
Em suma, inexiste um monstro mitologico de faces animalescas e olhar de predador, que poderá arrancar-lhes a garganta apenas por respirar o mesmo ar que você, o que há é um ser humano como eu, você e qualquer um a seu redor que, por diversos motivos, enveredou na estrada do crime.
O crime, por mais estranho que possa parecer, é democrático, e pode ser praticado por qualquer um, inclusive você, caro leitor, não que assim eu o deseja, mas é a verdade: Uma briga de transito, uma discussão de bar, um dia ruim...
Esse texto visa a reflexão, uma profunda reflexão que visa, ao final, uma profunda mudança de pensamento e de atitude, pois há humanidade no cárcere, por detrás do infrator, por mais estranho que pareça. Se queremos mudar a realidade de nossas ruas, devemos ser essa mudança atacando a fonte e não o resultado, com politicas publicas visando uma sociedade justa em oportunidades pois somente assim, o escuro abismo trará a seu fim, um verdadeiro e lídimo raio de luz.
Pense nisso.





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