A leitura sempre foi uma paixão para mim. Quem me conhece sabe que sempre me dediquei a leitura dos mais variados títulos e temas. Confesso que li muito menos do que gostaria, no entanto, posso me gabar que tenho na memória uma longa lista.
Quando ingressei na faculdade, minhas atenções se voltaram aos manuais e suas lições de primeiro caminhar desta longa estrada que tornou-se minha vida dedicada ao Direito.
Concluído o curso, inciada mais uma etapa da minha jornada, me dediquei, novamente a leitura de algumas obras, literatura estrangeira, livros de ficção, dos quais revesava a leitura entre doutrinas mais avançadas de Direito Penal , indicações do curso de Pôs Graduação latu senso, sem muito emoção, rotina de aprendizado, somente, até que, nesta semana, ao passar pela CAASP onde, para minha alegria, os livros estavam sendo vendidos a 50% de desconto para advogados, homenagem às comemorações ao 11 de agosto.
Após uma boa hora de visita a estante de Direito Penal no qual me garantiram excelente aquisições, me deparei com este pequeno opusculo de pouco mais de 200 páginas cujo titulo me atraiu de imediato.
"O Criminalista", obra de Vinicius Bittencourt, conta a história de um jovem advogado recém formado, apaixonado pelas ciências criminais, nomeado defensor de Jorge Muniz, festejado e aplaudido criminalista acusado de ter assassinado sua esposa sob ao pretexto de dela herdar vultuosa fortuna. Um típico romance policial, ao que parece aos desavisados, pois, o despretencioso livreto traz em seu bojo muito mais do que se anuncia em sua capa.
Vinicius Bittencourt, notório tribuno do júri, nascido baiano e consolidado capixaba, ilustrou sobre a roupagem popular dos crimes passionais, transporta os seus leitores para o universo da advocacia criminal em toda a sua plenitude, nua e crua, em sua beleza pura, rupestre e sofisticada, com maestria tipica dos grande titãs do festejado Tribunal Popular. Com escrita proza, simples e arrojada, constrói sua obra que é destinada, não só aos estudantes e juristas, mas para todos que se deleitam e se interessam pela apoteótica seara jurídica.
Muito embora o desenrolar da trama ocorre no cenário dos "crimes perfeitos" engendrados de forma maestral dentro da lei que os ampara e lhes da verdadeira "blindagem" contra a persecução criminal, o foco principal, apresentado de forma sutil, é o próprio advogado criminalista, desmistificado, desnudo em sua própria natureza.
A leitura me rendeu. Desde as primeiras linhas me vi transportado dentro da obra, projetado na pele do protagonista. Os mesmos dilemas, a mesma expertise, as mesmas perguntas, o mesmos demônios.
A beleza da advocacia criminal, pintada em sua mais romântica e sublime forma é abordada por Bittencourt nestas linhas como a verdadeira sete arte.
Enfim, dediquei-me, nestas linhas introdutórias apenas a enaltecer, sem qualquer compromisso sério com estética literária, a grandeza desta obra, sem discorrer a lição fulcral de seu ensinamentos.
Acima de tudo, um ser humano
Desde de o inicio de minha, ainda prematura, carreira, sempre ouvi de meus mentores que deveria me dedicar aos estudos e dominar toda a técnica, a doutrina e a lei, para então começar a pensar em ser um excelente advogado. Claro, nunca criei quaisquer objeção a este conselho, mas sempre senti, que deveria ter algo a mais que isso.
Bittencourt trata do tema e expõe, através de seu singular personagem esta questão ao dizer que devo, o advogado, sobretudo aquele que se dedica as ciências criminais, conhecer sobre todas as outras ciências, não para alimentar o ego em discursos fúteis e vazios, mas para alimentar a consistência de seu arsenal defensivo, para ser acessado em prol daqueles que, precisando de ajuda, buscam-lhe socorro.
No entanto, o mestre Bittencourt vai além ao declarar que além de cientista o criminalista deve ser artista a ponto de tocar a alma humana, conhecer seus mistérios, suas fraquezas, suas paixões e seus demônios.
O advogado criminalista deve lembrar-se de ser humano, de conhecer não apenas as entranhas das leis e os caminhos da doutrina e da jurisprudência, deve conhecer do coração e da mente humana, sua essência, conhecer de suas dores e seus limites. É preciso conhecer a alma humana caso queira curá-la.
Os relatos de Bittencourt também se deparam com a corrupção da polícia, o descaso e a falência das prisões, a voracidade desmedida da acusação e o erro judiciário em uma critica agressiva sempre muito atual e pontual.
Um ponto que me deixou muito emocionado e eletrizado foi os relatos sobre o crime. Tão implacável, tão absurdamente correto e completo, de tocar a alma, de fazer vibrar o coração, estremecer os ossos. E é assim que deve ser, acredito, os manuais e o discurso dos advogados, pois o criminalista deve, acima de tudo, amar o crime. Amá-lo, compreendê-lo, respeitá-lo na essência de sua importância perante a sociedade.
Aliás, no tocante a sociedade, o autor choca ao dizer que o advogado não deve se importar com a sociedade, pois esta, com suas paixões e conceitos pré concebidos, contaminam a defesa e prejudicam o paciente, sim, um paciente, pois o que seria o cliente do que alguém que precisa ser ajudado.
"Jesus não veio cuidar de justos e sim de pecadores. Simples cirineu, o criminalista apenas ajuda o acusado a carregar sua cruz."
Como a obra dedica-se a revelar a alma do criminalista, não poderia faltar cometários sobre a ética, bem como no que tange ao trato com o cliente. Sem sombra de dúvidas, o dialogo que sacramenta esta problemática ocorre já quase ao final do livro quando os protagonistas ingressam em uma discussão a respeito da conduta do profissional perante um réu confesso.
Para ilustrar, irresistível é a ideia de transcrever algumas palavras do próprio autor:
"Para o criminalista não há culpado ou inocente. Apenas alguém que caiu ou está prestes a cair nas malhas da justiça. O advogado que julga o réu usurpa as atribuições do juiz e do tribunal. Evidencia alarmante ignorância de sua missão e estorva a dialética, evertendo o sistema racional de indagação da verdade, onde a acusação é a tese, a defesa a antítese e o juízo a síntese. (...) E quanto mais grave for o crime, mais necessita o acusado de assistência e defesa. (...) Polvo gigantesco, o Estado possui tentáculos poderosos, capazes de sugar dos réus até mesmo o ânimo de defesa, cabendo ao advogado , com dedicação e competência, auxiliar a manter o equilíbrio entre os pratos de sua balança"
Brilhante e empolgante a cada palavra, "O Criminalista" me fez vibrar e entender que, por mais que já tenha evoluído, ainda muito tenho a aprender até me tornar o verdadeiro maestro, o "artista" nas ciências criminais, pois, como aprendi, o caminho é árduo mais vale a pena, afinal, os cães ladram, mas a carruagem vai passar.
Advogar é mais que um labor é uma vida. É a soma de diversos fatores, estudo, sensibilidade, doação e dedicação. Talento, não quer dizer nada, serve apenas para iludir e afastar os grandes de seu real proposito, tornar-se um verdadeiro defensor da liberdade e da dignidade humana.
Ser um criminalista é ser, na verdade, um desbravador da alma humana.